Archive for 11/26/11


Dia primeiro de dezembro é verão, oficiosamente, e já está em pauta qual será a música do verão 2012, junto com a moda, a musa, a mania que será quente na estação que começa.
A música de 2011 é Ai Se Eu Te Pego (Assim Você Me Mata). O vídeo oficial tem neste minuto 53.202.572 visualizações no YouTube.
Comparando com um hit planetário: Rolling in the Deep, cantado pela inglesa Adele, tem 170 milhões de visualizações. Michel Teló canta para o Brasil, Adele para o mundo.
Comparativamente, ele é mais popular que ela. Melhor dizendo, nem ele nem ela são super populares; se um ou outro for passear pela avenida Paulista ou os Champs Elysées, têm boas chances de passarem desapercebidos.
Estamos falando de canções, não de astros.
michel telo A música do ano
Ai Se Eu Te Pego é a canção pop perfeita, mais uma de muitas. Essa pegou geral. Até a criançada adora, sinal de fenômeno. Pop perfeito? O que é isso?
Uma música que se torna extremamente popular muito rápido, se mantém quente durante um ano ou mais, entra para o repertório eterno daquele artista e - principal - cola no seu ouvido logo na primeira audição.
Não tem nada a ver com a música ser boa, ruim ou mais ou menos, com arte ou ausência dela. Tem a ver com capturar e reter atenção assim, num relâmpago.
Se você viu o vídeo, pode confirmar que Michel não é nenhum galã de parar o trânsito, nem especialmente bom de rebolado. Também não é um ogro despenquento. A música é simples e a letra repetitiva, fáceis de lembrar, assobiar e cantar.
Vem com coreografia pronta para você seguir. Mas uma canção pop perfeita é tão simples de fazer como o ovo frito perfeito. Moleza seguir a receita, dificílimo transformar em deleite para todos os paladares.
l A música do ano
(Sharon Acioly)
Prova? Assim Você Me Mata nasceu como axé-funk em 2009, pelas mãos de seus compositores, Sharon Acioly e Antonio Dyggs. Sharon, de Porto Seguro, já deu provas de ser fogo na roupa - é dela A Dança do Quadrado, outro vírus letal. Imagino que ambos devam estar ganhando rios de dinheiro em royalties. Dyggs é empresário do grupo Meninos do Seu Zeh, que fez a primeira gravação.
Em 2010, Assim Você Me Mata ganhou mais versões, de grupos como Saia Rodada, Forró Sacode e Garota Safada. Uma, do Cangaia de Jegue, já trazia praticamente tudo que a música precisava: vocal de macho afinado, vídeo com gatas bem brasileiras, clima de festa animada, coreografia safadinha light.
Mas o acento ainda era para o forró, e mais pra dançar junto do que separado - downtempo, dizem os gringos. É uma aula de música pop assistir na sequência os vídeos de antes do sucesso, e do depois, com diversas respostas a Assim Você Me MataAqui, no bom blog Clube do Sertanejo.
O blog, que tem o imbatível slogan Almas Sofisticadas Também Usam Chapéu, me foi recomendado por Timóteo Timpin Pinto, meu consultor especial para assuntos de Música Super Popular Brasileira.
Timpin traz a tradição crítica-polêmica do jornalismo rocker para o mundo da guitarrada, melody, arrocha, sertanejo e cia., a música que realmente faz sucesso no Brasil. Arruma umas tretas boas também.
Às vezes as duas coisas ao mesmo tempo, como no caso de um texto sobre Assim Você Me Mata. Reproduzo um trecho, para te estimular a ler inteiro.
"A minha bronca nunca foi com a música, tanto é que ela está presente na minha coletânea das melhores músicas de forró estouradas no São João do nordeste, em sua versão original com a Cangaia de Jegue.
A minha bronca foi com relação às decisões artísticas que Michel Teló tomou para conduzir sua carreira. A escolha dele foi pelo sucesso fácil, pela estética descartável que se insuflou em seu ego após ver o Brasil ecoar seu "Ôôôô!" da abertura de sua Fugidinha.
A música Ai se eu te pego, retirada de seu contexto maledicente do forró e jogada no sertanejo com uma mega campanha de marketing em cima, em nada a faz superior a uma versão de Sou Foda, que em seu favor tem pelo menos o mérito de não ter sido retirada de seu contexto, mas sim recontextualizada.
Uma música que já era sucesso em forró em versões de diversas bandas ser regravada é uma coisa, um funk totalmente tosco, restrito a um gueto, que foi transformado em sucesso nacional em sertanejo e forró é bem outra coisa, é ruptura!"
Peço licença para discordar de Timpin. A versão de Teló é superior às anteriores. Porque tem o devido equilíbrio entre a melodia (e vocal-nejo canoro) e o balanço mauricinho-raiz (pras meninas rebolarem os quadris naquela simpática encoxadinha), em um arranjo sem sobras e extremamente polido.
É o que eu chamaria, por falta de batismo melhor, de Sertanejo de Arena. Uma espécie de Def Leppard de Barretos, referência pra roqueiro véio, uma banda de bonitinhos que tocavam alto e comportado.
Ou Shania Twain, para os fãs de country, Man, I Feel Like a Woman, lembram dessa? Leppard e Shania produzidos por Robert "Mutt Lange", rei da agressão inofensiva, bem-embalada e inesquecível.
Como vira e mexe acontece na música popular, há mais que música por trás sucessos desta proporção. Reassistindo os vários vídeos da mesma canção, reparo que Sharon Acioly canta enfatizando a rendição ao bonitão da festa - Ai, assim você me mata.
Nem precisa dizer: o macho vai "matar" ela na cama, de gozar, vai saciá-la à exaustão. A plateia de Michel Teló é só de garotas, e elas enfatizam outra parte, o "se eu te pego", simulando inequívoco movimento de penetração. É hino de predadora, vou te dar uma surra de prazer, bonitão.
Coisa de mulher da cidade. Dona do seu nariz, da sua sexualidade; e da sua grana, que independência é sempre independência financeira. Teló é perfeito para o novo significado da canção. É homem, mas não agressivo, interiorano domesticado pela vida urbana, um emo rural. Podia ser o amigo gay das mocinhas da platéia. Não canta para elas, canta com elas. Mesma música, sinais trocados.
Você pode gostar ou não da música do ano. Não pode ignorar, porque ela é muito mais que a soma de suas notas e palavras. O sucesso do ano nasceu em Porto Seguro, se espalhou pelo interior da Bahia, floresceu pelos forrós do nordeste, dominou geral do Oiapoque ao Chuí na voz de um paranaense, baseado em Campo Grande. Trilha sonora de um Brasil que dá tchauzinho ao campo, e aos valores e ideais e dependências do mundo rural - mas não um definitivo adeus. Tentar entender o significado de coisas como Se Eu Te Pego é exercício útil e fútil. E a razão porque continuo adorando o que faço.

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