'Não dependo de passar na televisão ou de tocar na rádio', diz Lenine

É com a mesma voz calma e pausada de sempre que Lenine conta como o canário belga de sua sogra se tornou um dos músicos convidados do disco "Chão", o décimo trabalho de sua carreira, com dez faixas cheias de elementos como o som de passos no chão de brita de seu orquidário e o barulho de cigarras.

O mesmo tom também serve para o cantor pernambucano falar de seu ofício. "Eu não sei fazer nada meia-bomba, cara... Não me permito fazer nada meia-boca, ou mais ou menos. Eu posso não chegar ao que eu quero, mas vou fazer sempre como se fosse a final de um campeonato. As pessoas percebem isso", diz em entrevista ao G1, em um restaurante em São Paulo. Leia o bate-papo completo:

Como a invasão do canto do pássaro nas gravações foi vital para que você criasse o conceito do disco?
Lenine -
É o Frederico, canário belga da minha sogra [ele canta em "Amor é pra quem ama"]. Foi sem querer. Na hora que ouvi, percebi o vazamento. O Bruno [Giorgi, seu filho e produtor do CD] imediatamente chamou a atenção: 'ele [o pássaro] está no tom'. Ele estava sendo imbuído pelo que estava ouvindo. Quando a gente viu isso, descobrimos a pólvora. Os elementos sonoros não têm edição, foram usados de maneira orgânica. Existe a analogia de que discos são como livros de contos. Prefiro achar que "Chão" é um romance.
'Tudo o que me falta, nada que me sobra' foi escrita por meio do bate-papo no Facebook com seu parceiro Lucky Luciano. Como foi isso?
Lenine -
No Facebook, eu só tenho vinte e poucos amigos. Uso um codinome. A ferramenta do bate-papo é fundamental para mim, uso enquanto estou trabalhando. Essa música foi toda feita em um pingue-pong no Facebook. Ele escrevia, eu respondia.

Você mudou de Recife para o Rio há 30 anos. Quanto de Pernambuco você acredita que ainda carrega na sua música? 
Lenine - A gente é formado até os 16 e 17 anos, o resto é burilamento. Primeiro é uma coisa meio tosca, que você vai lapidando. Eu saí do Recife aos 20, 21 anos. É natural que ele esteja ainda comigo. Talvez nem seja a Recife, é uma Recife amorosa impregnada na alma e que vai para onde eu vou. Mas nos 30 anos que estou no Rio de Janeiro, toda minha trajetória tem a ver com a cidade. Sou um cidadão carioca, voto lá. O Rio me deu essa formatação. Tem uma sensação de deslocamento que eu sempre tive por ser um nordestino morando no Rio.

Você já disse que sua 'verdadeira vocação é a composição'. Você se considera mais compositor do que intérprete?
Lenine -
Compor é minha profissão. Eu não me sinto intérprete. Eu sempre cantei o suficiente para interpretar aquilo que compunha e que outras pessoas não cantavam. Eu terminei documentando menos da metade do que eu produzo, se fizesse as contas direitinho. Mas talvez com isso eu tenha preservado meu lado "cantautor". É uma coisa genuína de só fazer aquilo que eu tenho certeza, sabe? Na minha memória, lembro que o Sudeste sorriu amarelo para mim e eu não devolvi esse sorriso. Pensei "Vocês vão ter que me encarar, velho". E mergulhei para fazer o que faço com coerência e justeza das ideias.


E como você vê o esquema de arrecadação no Brasil?
Lenine - Tem anacronismos sérios. Eu como criador quero saber como funciona a arrecadação, mas até hoje não entendo. E eu sou um cara curioso. Tem um fato inconteste. Tudo o que é débito meu eu recebo em casa. Recebo conta de luz, conta de gás... Se não pagar, eu vou ter uma multa. Eles vão me cortar. Por que dos meus créditos eu tenho que correr atrás feito um maluco? Está errado no cerne da questão. Eu não sei quem pode me ajudar, porque já procurei essas respostas. Eu sou um cara interessado, não sou burro.
Entre o começo de carreira, no início dos anos 80, e o primeiro disco solo de sucesso, em 1997, foram quase 15 anos. No que isso foi bom e ruim para você, se comparamos essa trajetória com quem estoura mais rapidamente?
Lenine -
Não sou exemplo, sou exceção. Cheguei ao Rio e estavam surgindo os rocks. Sou da geração do Herbert [Vianna], do Renato [Russo]. Achava que fazia rock. Mas quando cheguei, a turma do rock falava: ‘ah não... é muito MPB’. E a turma da MPB dizia: ‘esse cara é rock n’ roll’. Hoje, o bonito da música brasileira é a promiscuidade, a troca. Não tem nicho. Mas não posso esquecer que teve.

Em conversas com artistas em começo de carreira solo, de Sandy a Fiuk, você é citado entre os preferidos. Pelo discurso, parece que pega bem gostar do som que você faz. Você concorda que existe isso?
Lenine -
 Eu não sei fazer nada meia-bomba, cara... Não me permito fazer nada meia-boca, ou mais ou menos. Eu posso não chegar ao que eu quero, mas vou fazer sempre como se fosse a final de um campeonato. As pessoas percebem isso. Eu sou ingênuo a ponto de acreditar nisso. Tem a ver com esse tipo de coerência, de não ter rodeios. Eu sou um prestador de serviço. Vou até a página oito, depois da página oito... Não me encha o saco não. É o que eu tenho para você. Com o tempo, você adquire uma confiança. Eu batalhei pra c..., cara. Sou um puta cara felizardo, eu não dependo de nada. Eu não dependo de passar naquela televisão ou de tocar naquela rádio...

Mas houve alguma concessão?
Lenine -
Não, eu sou cabeça dura. Também jamais vou ousar ensinar a quem sabe vender como se deve vender. Para mim, música de trabalho é "Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê" [canta ‘Retirantes’, de Dorival Caymmi, tema da novela ‘Escrava Isaura’]. Nunca escolhi e não me interessa saber [qual a música será escolhida para ser carro-chefe do disco]. Em contrapartida, jamais me ensinarão como se deve fazer o que faço. 

Posted by Viviani Corrêa @ segunda-feira, 24 de outubro de 2011 0 comments

Share This Post

RSS Digg Twitter StumbleUpon Delicious Technorati

Related Posts

0 Comments

No comments yet. Be the first to leave a comment !
Leave a Comment

"O grande segredo para a plenitude é muito simples: compartilhar." --Sócrates

Música é vida!

Next Post Previous Post
Related Posts with Thumbnails