Cidade ficou de fora das turnês de U2, Shakira e Paul McCartney.
Fechamento do Estádio do Maracanã é apontado como um dos motivos.
Os cariocas andam inconformados. Ultimamente têm visto o Rio ficar de fora das turnês de alguns dos grandes astros da música internacional. Neste ano, Paul McCartney, Aerosmith, Eminem e Lou Reed, entre outros, deixaram de se apresentar na cidade. Em 2011, o U2 e a cantora pop colombiana Shakira também já "confirmaram" suas ausências.
"É inacreditável que uma cidade que será uma das sedes da Copa do Mundo de 2014 e vai abrigar os Jogos Olímpicos de 2016 seja preterida deste circuito. Só tenho uma coisa a dizer: frustração. Vamos ficar na saudade", diz Rogéria Thompson, de 39 anos. Fã da banda irlandesa, Rogéria é casada e mãe de dois filhos: "Então fica difícil sair do Rio e arcar com o custo de passagens e acomodações para todos", acrescenta.
O arrojado palco da turnê '360º', do U2. A banda irlandesa fará três apresentações na capital paulista em abril do ano que vem. Rio de Janeiro ficou fora do roteiro (Foto: Mikko Stig/AP) Bono e Cia. chegaram a se apresentar uma única (e tumultuada) vez na cidade, em janeiro de 1998. Na ocasião, a banda rodava o mundo com a turnê PopMart e, a princípio, faria um show no Maracanã. Mas, de acordo com o empresário Franco Bruni, que viabilizou a vinda da banda ao Brasil daquela vez, os portões estreitos do estádio impossibilitaram a entrada do equipamento. O contratempo fez com que a apresentação fosse transferida para o Autódromo de Jacarepaguá, provocando um verdadeiro caos no trânsito da cidade.
Com apenas 12 anos na época, a agora universitária Julianna Gomes havia renovado as esperanças de ver a banda preferida depois de ler que o U2 virá ao país em abril do ano que vem. Mas, assim como em 2008, quando o grupo esteve no Brasil pela última vez, o privilégio será apenas da capital paulista. Agora será a distância um dos obstáculos que irão separar Julianna dos ídolos.
"O problema maior é ter que se programar com muitos meses de antecedência. Nem ligo tanto de ter que viajar, mas, no caso de um show grande assim, tudo é mais difícil. É uma guerra para conseguir ingressos, decidir como ir, onde ficar. Mas o pior é saber que poderiam tocar por aqui mesmo. Acho que o Rio tem estrutura e, mais importante que isso, muitos fãs. Será que isso tudo que está acontecendo é por causa das obras no Maracanã?", indagou.
Falta espaço
Para o empresário e idealizador do Rock In Rio, Roberto Medina, o problema tem relação sim com o fechamento do estádio. Inaugurado em 1950, passou por obras em 2005, o que reduziu sua capacidade de quase 200 mil para 87 mil pessoas. Cinco aos depois, foi novamente interditado no último mês de setembro para reformas com vistas à Copa do Mundo. A previsão é de que seja reaberto somente em 2013.
O Estádio Jornalista Mário Filho, mais conhecido como Maracanã, em obras: fechamento impossibilitou a realização do show de Paul McCartney na cidade (Foto: Fernanda Almeida/Divulgação) "O motivo decisivo é a falta de espaço. Não há lugar no Rio de Janeiro para quem queria trabalhar um show que reúna mais de 15 mil pessoas. Existe a Praça da Apoteose, mas nunca achei aquele lugar apropriado para este tipo de evento. As pessoas se queixam de desconforto, insegurança. Foi feito para os desfiles das escolas de samba e não para shows de rock. Então, ficamos sem alternativas", comenta Medina, que também faz um comparativo com a cidade de São Paulo em relação à compra de ingressos.
"Encomendei uma pesquisa ao Ibope para me ajudar na escalação do festival. Entre outras coisas, este estudo apontou que, em São Paulo, as pessoas estão dispostas a pagar 20% mais pelo ingresso. Ou seja: há mais poder aquisitivo na capital paulista, o que permite um faturamento maior. Sem contar que é uma cidade com mais consumidores. Acho que este não é o fator preponderante, mas influencia a maneira de pensar do empresário, principalmente aquele que não tem nenhum tipo de vínculo com o Rio", diagnosticou o publicitário.
Mas parece ter sido mesmo a falta de um espaço que impossibilitou a passagem da turnê Up & Coming, de Paul McCartney, pelo Rio de Janeiro em novembro deste ano. Ironicamente a cidade que colocou o ex-beatle no livro dos recordes em 1990, quando 184 mil pessoas lotaram o estádio em uma das duas apresentações do cantor, não pôde recebê-lo outra vez.
"Quando a vinda de Paul McCartney ao Brasil tomou forma, o Maracanã já estava fechado. E a gente entendeu que não haveria outro lugar no Rio de Janeiro que pudesse abrigar um show deste porte. Tínhamos um tempo muito curto para tomar a decisão", explicou o empresário Luiz Oscar Niemeyer, dono da PlanMusic, que viabilizou as apresentações de Paul em Porto Alegre e São Paulo há pouco mais de um mês.
Engenhão não
Ele também explica o porquê de o Estádio Olímpico João Havelange não ter sido escolhido para servir de palco para Paul McCartney. Conhecido popularmente como Engenhão (está localizado no bairro do Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio), foi construído para abrigar competições de atletismo e futebol dos Jogos Pan-americanos de 2007. Tem capacidade para quase 50 mil pessoas e é considerado um dos estádios mais modernos da América Latina.
"Mas, enquanto produtor, não o considero viável", ressalta Niemeyer. "É um espaço novo na cidade, que ainda está se posicionando. Ainda não foi testado com um evento do porte de um show de Paul McCartney. Junte a isso o fato de que as pessoas ainda não têm o hábito de frequentá-lo nem mesmo nas partidas de futebol mais decisivas. Não é nenhuma crítica, é apenas uma constatação. Sinceramente não sei qual é a razão, mas acho que o Engenhão ainda não faz parte da vida do carioca", concluiu o produtor.
E, de novo, quem literalmente paga a conta são os fãs. O jornalista Fábio Borges, de 37 anos, diz que precisou mexer nas economias para poder assistir às apresentações do ex-beatle nos outros estados.
"Estou casado há um ano. Por isso, tenho uma poupança que pretendo usar para comprar um apartamento. Tive que meter a mão neste dinheiro. O fã acaba se sacrificando, né? Eu ainda tenho a sorte de contar com este recurso. Quem não tem acaba vendendo qualquer coisa ou pedindo dinheiro emprestado", lamentou o jornalista.
O presidente do fã-clube Shakira Brasil, Jouzeffer
Fernandes (Foto: Arquivo pessoal) É o caso do presidente do fã-clube Shakira Brasil, Jouzeffer Fernandes. O operador de telemarketing de 22 anos explica que ficou "muito triste e revoltado" quando soube que a estrela colombiana não se apresentaria no Rio Shakira será a atração máxima da primeira edição do Festival Pop Music, que acontece em março em Brasília, Porto Alegre e São Paulo. Mas afirma que, mesmo assim, verá as performances da cantora em solo brasileiro.
"Pretendo ir aos três shows. Não sei exatamente como vou fazê-lo: se vou pegar empréstimo ou se vendo tudo o que tenho dentro de casa. Estou com medo até de perder meu emprego por conta dos dias que vou deixar de trabalhar. Mas vou ter que dar meu jeito, estou esperando por isso há 10 anos", confessou Jouzeffer.
Queremos
Mas não são apenas os fãs dos grandes nomes da música que andam queixosos. Quem curte as bandas mais alternativas também não anda lá muito satisfeito com a oferta de shows que a cidade oferece. Pensando nisso, os amigos Bruno Natal, Tiago Lins, Felipe Continentino, Pedro Seiler e Lucas Bori se utilizaram da internet para convencer outras pessoas a financiar, por meio de cotas de R$ 200, o cachê dos artistas e as despesas dos shows. Depois dos custos cobertos com a venda dos ingressos, os "patrocinadores" recebem de volta integralmente o valor investido. Nasceu então o projeto batizado de Queremos, que trouxe duas as bandas internacionais à cidade em 2010 a sueca Miike Snow e a escocesa Belle & Sebastian e já pré-vendeu shows de outras quatro, agendados para o verão: Two Door Cinema Club, Vampire Weekend, Mayer Hawthorne e LCD Soundsystem.
"Começamos este movimento acreditando que existe público. Só que, no Rio, ele é diferente, tem algumas manias. Aqui existe essa cultura absurda da lista VIP: todo mundo quer entrar nos lugares de graça. E os próprios eventos se sabotam enchendo essas listas de gente. Se chover, ninguém sai de casa. Se fizer muito calor, também não. E, se o show acontecer num lugar muito afastado, não querem ir. Além disso, moramos numa cidade com praia, o que já ocupa uma parte do dia do carioca. Sem contar que o preço dos ingressos está muito alto", denuncia Bruno, que garante que os artistas sempre demonstram interesse em tocar na cidade.
É preciso entender como o Rio funciona, ser sensível à cidade
Rolinha, produtor do Circo Voador
"A coisa no Rio está apenas sendo mal feita. É preciso organização para extrair o melhor do potencial que a cidade oferece. E é justamente o que a gente está tentando mudar. E isso passa por todas as esferas: casas de shows, divulgação, preços dos ingressos e público. Queremos propor um processo de reeducação de todas essas partes", sentencia o jornalista.
Um dos principais parceiros da empreitada é o Circo Voador, no Centro da cidade. Dentre todos os shows captados pelo Queremos, apenas o LCD Soundsystem vai deixar de tocar na tradicional lona cultural carioca. O produtor musical da casa, Alexandre Rossi mais conhecido como Rolinha , aplaude o empreendedorismo da turma e manda um recado para os demais empresários do ramo.
"As pessoas que produzem shows normalmente só querem saber de dinheiro. É preciso entender como o Rio de Janeiro funciona, ser sensível à cidade. Entendendo este mecanismo, é só refazer a estratégia", afirmou. Os fãs cariocas torcem por isso.
via G1