A cantora Céu lança o álbum 'Vagarosa'. (Foto: Divulgação)
No ritmo entorpecente da terra de Bob Marley, a cantora Céu desliza à vontade. Cinco anos depois de estrear em disco, a paulistana conquista sem pressa o seu espaço entre as maiores artistas de sua geração. "Vagarosa", seu segundo trabalho, chega às lojas no final do mês, mas as músicas do repertório já são entoadas pelo público nos shows, como aconteceu em uma apresentação em São Paulo na semana passada.
Recém-chegada de uma miniturnê nos EUA que passou por Nova York, Seattle, São Francisco e Los Angeles, ela se prepara para uma série de apresentações pelo Brasil e na Europa. Lá fora, a receptividade não poderia ter sido mais calorosa: ingressos esgotados e críticas positivas em jornais como o "The New York Times".
"A turnê foi interessante, porque eu não tinha altas expectativas. Esse é um disco extremamente verdadeiro comigo mesma, com o tempo que eu levei e com coisas que eu fiz. Estou fazendo o que me faz sentido, e não porque tenho expectativas a superar. Minha história só faz sentido se eu continuar nesse lugar, o da honestidade comigo mesma. Se eu sair desse lugar, não vai dar certo", diz a artista, em entrevista ao G1.
"Fiquei feliz em ver que o público é muito interessado em música brasileira, e de saber do interesse dos jornalistas pelo que está acontecendo em São Paulo", conta ela, confessando não ter se importado com o vazamento de seu disco na internet antes do lançamento. "Ficaria chateada se tivesse caído na rede uma versão de baixa qualidade."
Produzido pela própria Céu com a colaboração de Gui Amabis, Gustavo Lenza e Beto Villares (produtor do álbum de estreia da cantora), "Vagarosa" reúne músicos que já trabalhavam juntos - como Pupillo e Curumin (bateria), Lucas Martins e Dengue (baixo), Guizado (trompete), DJ Marco (scratches), Fernando Catatau (guitarra), Rodrigo Campos (cavaco, pandeiro, tamborim), entre outros além de todas as referências musicais que a artista já vinha mostrando - como o reggae - só que desta vez, talvez, de uma maneira "menos digerida", nas palavras dela.
"Não acho que o disco seja uma mudança de direcionamento, mas ele é mais ousado. É uma faceta mais corajosa do primeiro. Talvez não seja o que as pessoas esperam, mas essa parte eu prefiro que o público me conte", fala. "Esse álbum tem elementos mais orgânicos, menos beats. Eu queria que a pressão viesse pela simplicidade, pela crueza."
Céu conta que gosta de privilegiar as melodias em detrimento das harmonias, e que tem um jeito muito peculiar de compor. "Eu componho a partir de um arranjo, às vezes tem uma linha de baixo na minha cabeça, eu pego o gravador e aí começo todo o trabalho", diz ela, admitindo que as letras também amadureceram.
Pingos nos 'is'
"Com certeza a maternidade me influenciou. Muita coisa mudou depois do primeiro disco. As dificuldades estão aí para a gente aprender. Então eu fui escrevendo e a vida me inspirou. Quando você faz uma filha, você pensa 'eu sou capaz de muita coisa'. Os pingos nos 'is' vão para os seus devidos lugares. Talvez no primeiro disco eu ainda estivesse em dúvida sobre o que eu seria capaz de fazer. Já o segundo reafirma quem eu sou."
Apreciadora das "coisas antigas", a cantora fala da satisfação em trazer à tona elementos tribais e outros ingredientes que a influenciam. "Não enxergo muito essa coisa de que se tirar a produção, não existe canção. Para mim, tem muito samba no disco, mas talvez não seja algo tão digerido. Música é liberdade, é uma coisa para ser mexida. Ela é um produto e eu convivo bem com isso."
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Céu: 'já me incomodei com os rótulos'. (Foto: Divulgação)
"Claro que não foi sempre assim", continua. "Eu já me incomodei com os rótulos. Quem entra na música por amor, sem planos de fazer carreira, ficar rica e famosa, se depara com esse questionamento. Vai ser embalado, receber um nome e virar algo palpável. Mas a essência é a liberdade. Não vejo problema nenhum em ouvir Nelson Cavaquinho, que está ligado diretamente a Nina Simone, que está ligada a Betty Davis, que está ligada a Clementina de Jesus, Clara Nunes. Para mim, é tudo a mesma coisa."
A cantora americana de funk Betty Davis, aliás, serve de inspiração para a psicodélica "Espaçonave", com participação do guitarrista Catatau (Cidadão Instigado). "A letra fala sobre a necessidade de se conectar com a natureza, de voltar para a nave mãe. O Catatau ouviu a música, curtiu e tocou guitarra. Foi o primeiro indício de que o disco estava realmente existindo", diz.
Já "Grains de beauté" remete diretamente ao álbum "Histoire de Melody Nelson" (1971), do francês Serge Gainsbourg. "Descobri que na França eles chamam as pintas de grãos de beleza. Como eles são elegantes... Gosto muito desse disco e essa música é uma referência bem explícita a ele."
O cantor Luiz Melodia personifica a figura do homem vira-lata no samba de mesmo nome. "É a vibe dele, me passa essa sensação. Ele me inspirou a fazer esssa letra sobre paixões avassaladoras. Deram a ele um rótulo de maldito, mas eu não acho isso. Ele é um cara underground, uma das minhas vozes masculinas preferidas. Um dia, quando fizemos um show juntos, tomei coragem e o convidei para cantar no meu disco."
Outro ponto alto de "Vagarosa" é "Bubuia", que tem a participação do trio formado por Céu e as cantoras Thalma de Freitas e Anelis Assumpção - apelidado de Negresko Sis. "Bubuia é uma maneira do norte de falar borbulha. O sentido é de seguir a vida leve, continuar, não importa o tamanho da onda. A borbulha faz isso. Na música, cada uma ficou com um verso. A gente gosta dessa coisa de ser backing vocal, fazer coro, como numa ciranda. A letra fala sobre a maneira de ir contornando. É uma filosofia 'deixa a vida me levar' total."