Em "Preconceito", Antonio Maria preconizava, com mágoa, em 1953: "Pra que este beijo agora?/Por que meu amor este abraço?/Um dia você vai embora sem sofrer os tormentos que eu passo/De que vale sonhar um minuto se a verdade da vida é ruim?/Se existe um preconceito muito forte separando você de mim".
Durante décadas os donos dos hits "Whiskey a Go Go" e "Dona" carregaram todo tipo de julgamento: da imprensa dita especializada, do rock nacional vigente, dos apegados à atitude e mesmo da MPB mais refinada. Mas o Roupa Nova resistiu.
Nos últimos 39 anos --se contado o tempo em que a banda atendeu pelo nome de The Famks-- Paulinho, Serginho Herval, Kiko, Nando, Ricardo Feghali, Cleberson Horsth contabilizaram decepções com as múltiplas tachações. Ficou para trás.
Com o recém-lançado "Roupa Nova em Londres" (Roupa Nova Music), primeiro álbum de inéditas da banda desde 1997, gravado em Abbey Road e no Air, estúdio do quinto beatle George Martin, o sexteto carioca remonta ao passado e revisita um período de batalha quase diária contra o preconceito.
"A imprensa já foi dura com a gente", diz Paulinho, responsável pela percussão e pelos vocais intensos de músicas como "Linda Demais", hit de 1985. "Fomos rotulados de banda brega, de grupo de baile. Mas as pessoas se esquecem de que o baile é uma grande escola para 90% dos músicos brasileiros. Eu duvido muito que o Caetano Veloso nunca tenha tocado em baile ou em bar. Hoje, quando nos chamam de banda de baile, nem ligo. Que falem, não temos mais nada para provar a ninguém".
Banda de baile ou não (e seja o rótulo pejorativo ou não), o Roupa Nova, pelo visto, ainda tem muito a oferecer, e não só aos fãs antigos. Uma pesquisa encomendada pela própria banda indicou que 75% dos fãs do Roupa Nova estão numa faixa etária (dos 15 aos 25 anos) mais próxima da preferência por bandas como CPM 22 e Charlie Brown Jr. Os laços com esta geração foram recentemente solidificados por meio de uma gravação do hit "Volta Pra Mim" feita pelos emos do Fresno, para uma vinheta para a MTV.
"Já sentimos preconceito, sim", concorda Feghali, afirmando que o rótulo de grupo romântico não lhes serve. "Essa presença de gente nova mostra que sobrevivemos através dos anos. Acho que as rádios vão sempre procurar nosso lado romântico. Mas temos letras de protesto, um lado social em várias músicas, que muitas vezes passa despercebido".
Velho amigo da banda (tocou com o baterista Herval na formação do grupo A Bolha que gravou "É Proibido Fumar", em 1978), o produtor Marcelo Sussekind diz que tais visões a respeito do Roupa Nova são absurdas: "São o melhor time de músicos que se pode encontrar. Esse tipo de sentimento só pode vir de quem não conhece a banda. Tem muita bandinha no mercado que não sabe de nada. Quando falam mal sempre me manifesto contra".
Outro a levantar a plaquinha com a nota 10 para a banda é João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso --banda que já fez gravações no estúdio do sexteto, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. "Eles são uma grande instituição, um grupo acima do bem e do mal em relação à crítica", afirma Barone.
O cantor Daniel Lopes, ex-integrante do grupo carioca Reverse, agora solo, vai mais além: "Eu me orgulharia de fazer parte de uma banda como o Roupa Nova. Eu os vejo como o porto seguro da canção. Hoje é mais fácil ser um hype do que construir uma lista de hits tão expressiva como a deles".
O ego do sexteto fora imunizado contra preconceitos logo no começo da carreira, quando, logo ao ser associado ao clima festeiro dos bailes, recebeu um presente de Milton Nascimento. É do compositor a canção Roupa nova, que batizou a banda. O autor de "Cais" convidou-os para gravar "Nos Bailes da Vida", uma composição dele com Fernando Brant, no álbum "Caçador de Mim" (1981).
"O grande segredo para a plenitude é muito simples: compartilhar." --Sócrates
Música é vida!